Paul Copan (Ph.D, Marquette University) é professor de Filosofia e Ética
na Palm Beach University, na Flórida, EUA. É autor e editor de dezenas de
livros na área de apologética cristã e filosofia da religião. Além de diversos
artigos publicados em importantes publicações na área de filosofia, como a Philosophia Christi, ele também é membro
da Evangelical Society of Philosophy. Is
God a Moral Monster? é uma resposta para as diversas acusações contra o
caráter de Deus como exposto nas páginas do Antigo Testamento, principalmente
da parte dos chamados neoateus. Com a publicação da obra Deus, um Delírio, de Richard Dawkins
(2005), e Letter to a Christian Nation,
de Sam Harris (2007), o Antigo Testamento começou a ser visto pelo público
secularizado como uma mola propulsora para a violência e a intolerância.
Tópicos ali encontrados como homofobia, genocídio, machismo e fundamentalismo
religioso são alguns dos motivos – aparentemente verdadeiros – que têm levado
muitos a rejeitar qualquer princípio ético das páginas das Escrituras
Hebraicas.
Apesar de Copan não ser um especialista em Antigo Testamento (AT) e
documentos do Antigo Oriente Médio (AOM), sua obra foi classificada por Richard
Davidson, do departamento de AT da Andrews University, em Michigan, EUA, como
“a mais poderosa e coerente defesa do caráter de Deus no AT diante dos ataques
dos neoateus” (p. ii), e de “a melhor defesa da ética do Antigo Testamento” (p.
i), por Gordon Wenham, professor emérito de AT na University of
Gloucestershire.
A obra está dividia em quatro partes. Na primeira (p. 13-24), Copan
oferece um breve histórico sobre o movimento conhecido como neoateísmo, bem
como suas críticas à religião bíblica. Já na segunda (p. 25-54), são abordados tópicos
como a suposta arrogância e o ciúme de Deus em Sua aliança com Israel. Além desses
assuntos, Gênesis 22 – um capítulo que tem sido muito utilizado para descrever
a “brutalidade” de Yahweh – também foi analisado à luz do contexto do Antigo e
do Novo Testamentos.
A terceira seção (p. 55-206) é a principal do livro, onde tópicos mais
espinhosos são abordados, tais como Heiligkeitsgesetz, o Código de Santidade
(Levítico 17-26), no qual, inclusive, encontramos leis relacionadas com
práticas homossexuais; as leis que regulamentavam a escravidão em Israel; e a
questão da matança dos cananeus. Paul Copan fez um excelente trabalho
comparando material bíblico disponível nas páginas do AT com documentos de
povos do AOM trazidos à luz pelas descobertas arqueológicas dos últimos 200
anos.
Já a quarta e última seção (p. 209-222) lida com o fundamento teísta
para a moralidade humana. Além de apresentar a fragilidade de uma noção de
certo e errado sem um Ser transcendente, Copan ainda apresenta brevemente como
o cristianismo foi responsável por revolucionar o mundo ocidental graças a
importantes contribuições humanitárias, filosóficas, literárias, artísticas e
até musicais, uma resposta sutil ao subtítulo da obra do ateu Christopher
Hitchens, deus não é Grande: Como a
Religião Envenena Tudo (2007).
Gostaria de destacar dois pontos que ressaltam a importância da obra de
Copan. Primeiro, a constante comparação entre diversas práticas do AT com
práticas legais de diversos povos do AOM. Para muitos leitores não treinados
nesse ramo de estudo, o trabalho de Copan surge como uma excelente ferramenta
para a constatação de uma faceta mais humanitária de Israel em contraste com os
povos da Mesopotâmia, Canaã e até o próprio Egito.
A título de ilustração, Copan fez amplo uso da literatura conhecida
sobre as leis que regulamentavam a escravidão em Israel (Êx 21), e a apresentou
nos capítulos 12-14. Desde códigos de leis hititas, passando por documentos
cananitas do 2º milênio a.C., até uma análise minuciosa do texto hebraico do
AT, percebe-se entre os israelitas um caráter mais humanitário quanto à
escravidão. Na lei mosaica, sequestrar alguém para ser vendido como escravo era
um crime punido com pena capital (Êx 21:16). Um escravo hebreu deveria
trabalhar apenas seis anos para pagar sua dívida, sendo liberto no sétimo ano
sem pagar nada (Êx 21:2). Além disso, ele deveria receber do seu proprietário
alguns animais e alimentos para começar a vida novamente (Dt 15:13, 14).
Durante seu período de serviço, o(a) escravo(a) teria um dia de folga semanal,
o sábado (Êx 20:10). Não só isso, mas em Israel, o escravo e seu senhor eram
tratados em pé de igualdade (cf. Jó 33:15, 16). Um avanço humanitário
significativo e totalmente desconhecido até aquele momento em todo o território
do AOM.
Segundo, é a apresentação do ambiente social e religioso de Canaã
durante o 2º e o 1º milênio a.C. Práticas como sacrifícios humanos,
prostituição, incesto e zoofilia eram ingredientes comuns naquelas culturas.
Tais atividades são examinadas com atenção pelo autor e são apresentadas como
motivos reais para o “genocídio” cananeu. Digno de nota são suas considerações
sobre a “retórica exagerada no Antigo Oriente Médio” (p. 169-185), onde o autor
argumenta, citando diversos documentos arqueológicos, que a linguagem de
completa destruição (heb. herem) não
era tão completa assim.
Finalmente, existe um tópico que demonstram certa fragilidade
argumentativa do autor. Nas páginas 79-81, Copan faz menção das leis dietéticas
de Levítico 11, a distinção de animais puros e impuros. O autor fez uso de
Marcos 7:19 e Atos 10:10-16 para afirmar que no Novo Testamento todos os
alimentos são puros. Ora, o assunto em Marcos 7 é a halakah, a tradição dos anciãos, e não as leis de saúde de Levítico
11. Já em Atos 10, o assunto não é alimentação, mas, sim, o preconceito que os
judeus nutriam contra os gentios (cf. At 11). O autor demonstrou estar bem
familiarizado com publicações de eruditos adventistas como Richard Davidson,
Roy Gane e Barna Magyarosi. Sendo assim, ele poderia ter levado em consideração
a tese doutoral de Jirí Moskala, “The Laws of Clean and Unclean Animals of Leviticus
11: Their Nature, Theology, and Rationale (An Intertextual Study)” (Adventist
Theological Society Publications, 2000). Sua compreensão de Levítico 11 poderia
ser mais equilibrada, se essa obra tivesse sido consultada.
Além de uma bem documentada referência bibliográfica, o livro contém um
guia de estudo para cada um dos seus capítulos, tornando-se uma ferramenta útil
para grupos de estudo, seminários em igrejas e aulas para alunos do ensino
médio.
(Luiz Gustavo Assis é pastor em Porto Alegre, RS, e
Bacharel em Teologia pelo Unasp)