Este artigo, do Dr. Vanderlei Dorneles, analisa os símbolos
proféticos de Apocalipse 17 com a proposta de diferenciar a besta escarlate da
meretriz bem como da primeira besta de Apocalipse 13:1. O estudo é feito à luz
do contexto das sete pragas e do paralelo construído entre o clímax
escatológico provido pelos capítulos 13 e 17, paralelo este usado como base
para se sugerir uma relação entre a primeira besta e a meretriz, e entre a
besta de dois chifres e a besta escarlate e seu oitavo chifre. Em seu contexto
imediato, o texto de Apocalipse 17 é considerado como uma espécie de juízo de
investigação seguido da execução de sentença sobre a meretriz (Ap 18). A oitava
cabeça é distinguida do poder religioso e relacionada com os poderes
político-militares.
O capítulo 17 é uma das seções mais
desafiadoras e, ao mesmo tempo, mais fascinantes do livro do Apocalipse. Um dos
anjos que têm as sete taças da ira de Deus (Ap 16) chama o profeta para uma
nova sequência de visões, as quais se seguem à narrativa das pragas. O anjo
inicia a comunicação com o anúncio: “Mostrar-te-ei o julgamento da grande
meretriz” (Ap 17:1).
A identidade da meretriz não tem
sido um ponto de discussões tanto quanto a identidade da besta e de seus
chifres. Uma vez que uma besta, também de sete cabeças e dez chifres, é
descrita em Apocalipse 13:1 e se torna uma figura predominante no livro, a identificação
da entidade representada nesse símbolo de Apocalipse 17 oferece grandes
dificuldades.
Uma das interpretações mais
correntes tem sido que a besta em questão aponta para a mesma entidade
representada pela besta de Apocalipse 13, e que seria o império romano, cuja
capital foi considerada a “cidade das sete colinas”, como sugere o v. 9. Essa
interpretação preterista é abraçada “pela maioria dos exegetas”[1] e resulta
numa negação do dom profético na interpretação das visões do grande conflito narradas
no livro.
Outra linha de interpretação vê a besta
de Apocalipse 17 como símbolo dos poderes políticos mundiais e o oitavo rei
como um retorno do sétimo poder, ou seja, de “Roma papal”.[2] Nesse caso, o
“oitavo rei” indicaria a fase final de atuação dessa entidade, após a
restauração de seus poderes perdidos na revolução francesa, em 1798.
Uma terceira interpretação
considera que a besta “escarlate” (Ap 17) se relaciona com o dragão “vermelho” (Ap
12), sendo, portanto, uma referência ao próprio diabo em sua luta contra Deus e
Seu povo, por meio de poderes terrenos.[3] Outra visão pontua que a besta “escarlate”
deve representar uma “confederação de poderes” militares, seculares e civis em
oposição a Deus no clímax do grande conflito.[4]
Ainda uma interpretação mais
popular e menos embasada teologicamente também vê a besta como sendo Roma papal
e considera que a criação do estado do Vaticano, em 1929, pelo Tratado de
Latrão, corresponderia à cura da ferida da besta de Apocalipse 13. Os sete reis
representados pelas cabeças da besta seriam sete papas e o “oitavo”, portanto,
seria um último papa que guardaria certas relações com seu antecessor.[5]
A multiplicidade de interpretações
reflete a complexidade da visão. Um dos desafios está no fato de diversos
símbolos apocalípticos serem descritos como “besta” (ver Ap 11:7; 13:1, 11;
17:3). A palavra “besta” (gr. therion)
ocorre 38 vezes no livro de Apocalipse, sendo traduzida sempre como “besta”,
exceto em 6:8 (“feras”). Apesar de quatro bestas principais serem mostradas a
João, em geral as referências à besta são encaradas como sendo àquela de
Apocalipse 13:1, a segunda das quatro. Um dos caminhos para solucionar
problemas de Apocalipse 17 é tentar distinguir as bestas apocalípticas.
As interpretações que relacionam a
besta “escarlate” com a primeira do capítulo 13 (Roma papal) esbarram num
problema claro: por fim (17:16), a besta “escarlate” e os “reis da terra” odeiam
e destroem a meretriz (o poder religioso romano), o que requer necessariamente
uma distinção entre essas duas bestas. A “confederação de poderes seculares”[6]
em vez de ser a besta “escarlate” pode representar a própria coalizão da besta
e os “reis da terra”. Assim, é necessária uma definição mais objetiva da
entidade.
Outro aspecto a ser levado em conta
é o contexto das sete pragas no qual se visualiza a meretriz e essa besta. A ideia
de juízo é clara nessa seção do livro. Além disso, é preciso relacionar essa
visão (Ap 17) com outras visões do livro na busca por elementos simbólicos
paralelos. [Continue lendo.]