Dá pra confiar na cognição? |
Por
muito tempo, pelo menos desde o Iluminismo, acreditou-se que existia um
conflito entre ciência e religião. Do ponto de vista teísta, esse é um erro
colossal: como seres criados à imagem de Deus, os humanos enxergam na ciência a
possibilidade de conhecer mais sobre a obra criativa de Deus no Universo. É um
privilégio contemplar a magnitude da criação, sua ordem e beleza. Assim, no
teísmo, a ciência é uma forma de conhecer mais sobre o Criador. Longe de ser um
obstáculo à criação, a cosmovisão teísta incentiva os seres humanos a obter
mais informações da criação. A ciência é o meio, por excelência, para tal
processo. Logo, o teísmo incentiva fortemente o contato com a ciência. Infelizmente,
o mesmo não pode ser dito a respeito do naturalismo. Na verdade, há um conflito
muito sério entre o naturalismo e a ciência, a crença no materialismo e a
evolução biológica. Se o naturalismo for verdadeiro, segue-se logicamente que
os seres humanos são apenas objetos materiais. Você pode poetizar essa última
afirmação (“os humanos são poeira das estrelas”), mas sua verdade continua. Qual
o problema disso?
O
problema é que, (a) se o naturalismo é verdadeiro e (b) se um naturalista
acredita na evolução, (c) segue que a cognição do ser humano não está
preocupada com a criação de crenças verdadeiras, mas com a sobrevivência.
Na
evolução é assim: a evolução NÃO é teleológica, isto é, ela não é planejada,
não segue nenhuma finalidade específica, nem possui um telos último. O “objetivo” da evolução é que os seres sobrevivam e
que os genes passem adiante. Só. Até o termo “objetivo” não é correto: a
evolução não tem propósito último, nem finalidade última. Ela é um relojoeiro
cego. Como diz Richard Dawkins:
“A
única coisa que importa para a seleção natural é que cada lado está se
esforçando para superar o outro porque, tanto para um quanto para o outro, os
indivíduos que forem bem-sucedidos transmitirão seus genes que contribuíram
para seu êxito” (Richard Dawkins, O Maior
Espetáculo da Terra, p. 359).
Se
a evolução não está “preocupada” em gerar crenças verdadeiras, mas apenas em
gerar formas de sobrevivência, por que esperar que essas crenças sejam
verdadeiras? Nesse ponto, por que acreditar que nossas faculdades cognitivas
são confiáveis, no que diz respeito à geração de crenças verdadeiras?
Se
o naturalismo for verdadeiro, e se um naturalista acredita na teoria da
evolução, segue-se que sua cognição é fruto de adaptação, tendo em “vista” a
sobrevivência, ou seja, a cognição humana é estruturada para ajudar os seres
humanos a sobreviver. As crenças que ela gera são importantes na medida em que
ajudam a superar os outros seres na “corrida” da seleção natural. Mas as
crenças geradas por tal cognição não necessariamente são verdadeiras. A
evolução não estrutura a cognição “pensando” em gerar crenças verdadeiras, mas
sim crenças que ajudem os seres humanos a sobreviver. Richard Dawkins chama
esse último de “mundo médio” (último capítulo de Deus um Delírio).
Por
isso, a probabilidade de a cognição humana, no naturalismo, gerar crenças
verdadeiras é de 50%, isto é, ela tanto pode gerar crenças verdadeiras quanto
crenças falsas. Tanto faz. Não é essa a preocupação da evolução. A seleção
natural se contenta com o que houver, desde que ajude as espécies a se adaptar.
Um
naturalista pode dizer que sua cognição é fruto de uma boa adaptação (o gênero
humano sobreviveu por muitos anos e, dada a evolução, é isso que importa), mas
ele não pode dizer que sua cognição é confiável (ou seja, produz crenças
verdadeiras). Sua cognição é fruto da adaptação, mas não se segue que, para
sobreviver, a cognição necessariamente precise gerar crenças verdadeiras. O que
ela precisa gerar é um comportamento apropriado, não crenças verdadeiras.
Seguindo
o pensamento de um filósofo chamado Alvin Plantinga (Conhecimento de Deus), o naturalista tem um derrotador para a
alegação de que suas faculdades cognitivas são confiáveis. E, se ele tem um
derrotador para essa última crença, ele tem um derrotador para QUALQUER crença
que seja produto dessa faculdade cognitiva que não é confiável, ou seja, para
TODAS as suas crenças, incluindo a ciência, a razão e o próprio naturalismo.
Ele é autorrefutável. Ele não pode ser racionalmente crido.
Logo,
quem tem bons motivos para desconfiar da ciência não é o teísta, mas aqueles
que acreditam no naturalismo.
(Bruno Ribeiro Nascimento, via Facebook)
Referências:
DAWKINS,
Richard. O maior espetáculo da terra: as
evidências da evolução. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
PLANTINGA,
Alvin. Conhecimento de Deus: Alvin
Plantinga e Michael Tooley. São Paulo: Vida Nova, 2014.