Uma educação ruim que pode piorar |
Se isso acontecer, será muito difícil dar estudos bíblicos, porque
ninguém saberá que existiram Babilônia, Grécia, Império Romano, Revolução
Francesa...
Uma
proposta que está sendo gestada em Brasília pode apagar a Grécia da História.
Ironicamente ela não afetará nenhum cidadão grego, mas pode ser devastadora
para os brasileiros. Não, o Brasil não mandará tropas ao mar Egeu. A proposta
se refere a mudanças no que as quase 200 mil escolas brasileiras deverão
ensinar aos seus alunos em todas as disciplinas, a chamada Base Nacional Comum
Curricular. Uma organização assim é bem-vinda. Entretanto, para ser benéfica,
deve ser muito cuidadosa nos conteúdos propostos. E aí está o problema. A íntegra da proposta está disponível para consulta pública no site do Ministério até o dia 15 de março e o documento vem sendo
bombardeado por especialistas. Qualquer brasileiro pode deixar lá sua opinião. Neste
artigo, vou me concentrar em História. É importante também deixar claro que
este texto trata apenas de aspectos educacionais, fugindo de qualquer discussão
política ou partidária. Mas é impossível não mencionar a característica
fortemente ideológica e doutrinária do documento do MEC.
Evidentemente
a educação é a mais poderosa ferramenta de controle de um povo. E a disciplina
de História tem papel crucial nessa tarefa, pois apresenta elementos capazes de
moldar a moral do cidadão. Não é de se espantar, portanto, que todos os regimes
totalitários lancem mão desse recurso odioso.
No
Brasil mesmo, temos o exemplo do currículo imposto pelo governo militar, que
distorceu à vontade a história do país para criar uma geração dócil e pouco
contestadora. O próprio currículo atual está longe de ser perfeito, sendo
resultado de um arremedo do que sobrou do currículo militar com discussões
mal-ajambradas da academia desde então, além da ideologia de cada autor.
No
século passado, tivemos também outros excelentes exemplos de doutrinação pela
escola, na Alemanha nazista, na União Soviética e na China. E atualmente temos
o caso da Coreia do Norte, “o país sem cidadãos tristes”.
Claro
que podemos afirmar que não há um currículo escolar sem viés político, pois a
História nos mostra (pelo menos para aqueles que tiveram a oportunidade de ter
uma visão mais ampla dela) que ela é contada sempre pelo vencedor. Seja o
vencedor de uma guerra, seja o vencedor das últimas eleições. E nem precisa ser
algo de grande monta: estamos cansados de ver prefeitinhos mequetrefes criando
“conteúdos pedagógicos” para as escolas de seus municípios que desqualificam
seus opositores e o que pensam.
Mas,
afinal, o que o MEC está propondo para História?
A
proposta do MEC parte de um pressuposto interessante e válido: como os fatos
culminaram na atual sociedade brasileira. Mas a situação se deteriora rapidamente
quando observamos os conteúdos propostos para se atingir esse objetivo
pedagógico. Pela proposta, o ensino de qualquer coisa anterior às Grandes
Navegações foi eliminado, incluindo aí a formação dos povos mesopotâmicos,
egípcios, hebreus, gregos, romanos,
além de todos os Estados europeus, pedras fundamentais da cultura ocidental,
inclusive da brasileira.
O
currículo atual, bastante centrado na Europa, daria lugar a uma proposta
fortemente focada em civilizações ameríndias e africanas. Todo o estudo da Antiguidade, Idade Média, Renascimento é eliminado,
incluindo o surgimento e a disseminação do Cristianismo, do Judaísmo e do
Islamismo. Em seu lugar, entram o contexto político dos povos indígenas
brasileiros e da África subsaariana às vésperas da Conquista. E até temas para
lá de questionáveis para a formação do cidadão brasileiro, como a independência
do Haiti e a Revolução Boliviana ocupariam as aulas de história. [!]
É
inegável a influência dos índios e dos africanos em nossa cultura e eles
merecem ser mais bem apresentados do que são hoje. Mas de forma alguma isso
pode acontecer em prejuízo de outros elementos definidores dela, a maioria mais
importantes que os agora propostos. Pois, queiram ou não, nossa cultura e
nossas organizações social, política, legal têm base europeia.
Pela
nova proposta, eventos históricos europeus só são considerados naquilo que, de
alguma forma, se relacionem com o Brasil. Mas como entender a independência do
nosso país sem entender que a Corte portuguesa só veio ao país fugindo das
Guerras Napoleônicas? É como entendê-las sem compreender a formação do Estado
francês, que por sua vez está ligado, em suas raízes, ao fim do Império Romano.
Esse, por sua vez, construído sobre a cultura de um país por eles dominado
militarmente (mas não culturalmente) séculos antes: os mesmos gregos do início
deste artigo.
A
própria Revolução Francesa, que ajudou a moldar todo o Ocidente - e
posteriormente parte do Oriente, por influência de nações como Inglaterra e EUA
- fica reduzida a um estudo no 8º ano de como ela influenciou o nosso processo
de independência e do pensamento liberal no país. E não há sequer menção à
Revolução Industrial, que cristalizou os conceitos do Capitalismo e abriu
espaço para a luta de classes e, portanto, do Socialismo. Que dizer então da
Guerra Fria e sua influência decisiva na formação geopolítica global? Também
não está lá. E estes são apenas alguns exemplos.
Essa
proposta, que, a despeito da consulta pública, é completamente desconhecida da
população, precisa ser, portanto, discutida e modificada dramaticamente!
Entretanto, o pouco tempo disponível (cerca de seis meses) e a falta de
divulgação e transparência nos processos me fazem sinceramente temer pelo
resultado final.
A
História, apresentada de maneira ampla e sem viés ideológico, é essencial para
a formação, manutenção e evolução de qualquer sociedade. Estamos em um momento
precioso para fazer isso direito, mas a proposta atual corre exatamente em
sentido contrário.
Afinal,
como nós estudamos na escola, conhecendo a história, compreendemos o presente e
criamos um futuro melhor para todos. Mas, com a proposta em questão, temo que
nossos filhos e netos não terão a mesma oportunidade de desenvolver essa visão
crítica do mundo.
(O macaco Elétrico, Estadão)
Nota: Conforme
apontou meu colega de trabalho e editor de livros didáticos pastor Fernando
Dias, “essa nova base curricular comum promete ser uma arma de doutrinação
marxista. Querem omitir toda a história do surgimento do cristianismo e da Reforma
Protestante dos livros de História e, no lugar, valorizar a cultura de povos
pagãos. A história dos países que cumprem as profecias da Bíblia também não
terá lugar. Se isso acontecer, será muito difícil dar estudos bíblicos, porque
ninguém saberá que existiram Babilônia, Grécia, Império Romano, Revolução
Francesa, etc.”
Clique aqui e manifeste sua opinião lá no site do Ministério da
Educação.